“Milhões” em protestos anti-Trump num sábado ensombrado por violência política

A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) estima que mais de cinco milhões de pessoas participaram neste sábado em cerca de 2100 protestos nos Estados Unidos contra a deriva autoritária da Administração Trump, no mesmo dia em que a capital Washington foi palco de um raro desfile militar a pretexto do 250.º aniversário do Exército, mas que ocorreu também no 79.º aniversário do Presidente Donald Trump.
A jornada em que duas Américas distintas disputaram números e protagonismo nas ruas ficaria contudo marcada por vários actos de violência política. No Minnesota, dois legisladores estaduais do Partido Democrata e os respectivos cônjuges foram atingidos a tiro por um homem que, à data de publicação deste artigo, ainda se encontrava a monte. Morreu a congressista estadual Melissa Hortman e o seu marido, enquanto o senador estadual John Hoffman e a sua mulher se encontram hospitalizados. O FBI procura o presumível autor dos disparos, Vance Luther Boelter, de 57 anos, que terá uma lista de cerca de 70 alvos.
O duplo homicídio, que o governador do Minnesota e antigo candidato democrata à vice-presidência dos EUA Tim Walz diz “aparentar ser politicamente motivado”, levou as autoridades daquele estado do Midwest a pedirem ao público para não participar nos protestos ali agendados para este sábado “por precaução”, embora milhares tenham comparecido ainda assim nas ruas das “cidades gémeas” de Minneapolis-Saint Paul. Também em Austin, no Texas, o protesto local foi parcialmente desmobilizado após as autoridades terem alertado que havia uma “ameaça credível” contra legisladores estaduais que tinham presença marcada na manifestação.
Outros incidentes mancharam o dia de protestos. Em São Francisco, pelo menos quatro pessoas ficaram feridas sem gravidade ao serem atropeladas numa das cerca de 2100 manifestações organizadas por uma coligação de centenas de movimentos da sociedade civil sob o lema “No Kings” (“não aos reis”, ou “não há reis”, uma crítica às tendências autoritárias e ao culto de personalidade em torno de Donald Trump). Outra pessoa ficou ferida num incidente semelhante durante um protesto na Virgínia.
A utilização de veículos como arma contra manifestantes, reminiscente do que aconteceu em 2007 em Charlottesville, tinha sido sugerida ao longo dos últimos dias por vários movimentos de extrema-direita e foi caucionada por políticos republicanos como o governador da Florida, Ron DeSantis. “Se estiverem a conduzir por uma daquelas ruas e uma turba cercar o vosso veículo e ameaçar-vos, têm o direito de fugir pela vossa segurança. E então se acelerarem e atingirem alguém, a culpa é dela que se meteu à frente”, declarou o republicano na quarta-feira ao podcast conservador The Rubin Report.
Flores em Houston, gás lacrimogéneo em Los AngelesMas apesar de vários incidentes e da ameaça de repressão por parte das autoridades de vários estados republicanos, o dia de sábado trouxe multidões às ruas, sobretudo em bastiões democratas. Cerca de 200.000 pessoas manifestaram-se em Nova Iorque e mais de 100.000 protestaram em Filadélfia. Houve forte adesão também em Houston, no Texas, onde manifestantes ofereceram flores a agentes da polícia, e em Chicago.
Milhares também em pequenos estados como o Vermont, onde houve mais de 40 protestos distintos, incluindo em Burlington, onde discursou Mohsen Madawi, um estudante e imigrante palestiniano que tinha sido detido em Abril pela polícia de estrangeiros e fronteiras, o ICE, devido à sua participação em manifestações pró-palestinianas na Universidade de Columbia. Bernie Sanders, senador independente aliado dos democratas, discursou em Stowe, no mesmo estado: “Em 1776, americanos corajosos enfrentaram e derrotaram o déspota mais poderoso do mundo. Em 2025, vamos fazer a mesma coisa.” Um pouco por todo o país, agitaram-se bandeiras norte-americanas (muitas delas invertidas, em sinal de revolta), mexicanas e palestinianas.
Largamente pacíficos a nível nacional, os protestos de sábado ficaram contudo marcados por confrontos entre manifestantes e agentes da autoridade em cidades como Los Angeles (Califórnia), Portland (Oregon) e Atlanta (Georgia). A metrópole californiana foi previsivelmente o palco de maior tensão, com ânimos exaltados devido à presença de elementos da Guarda Nacional e do Corpo de Fuzileiros da Marinha, por ordem da Casa Branca e à revelia do governo estadual, para auxiliar nas rusgas do ICE. O recolher obrigatório em vigor durante a noite no centro da cidade acabou por facilitar a reposição da ordem.
A organização dos protestos “No Kings” tinha decidido não agendar oficialmente qualquer protesto em Washington, onde decorreu neste sábado um desfile militar há muito desejado por Trump. Esperavam-se cerca de 200.000 espectadores para ver mais de 6000 militares e centenas de veículos blindados percorrerem a Avenida da Constituição, próxima da Casa Branca, mas foram visíveis clareiras nos locais reservados ao público. O tempo não terá ajudado, com a chuva a encurtar um programa que não teve a mesma pompa do evento que tinha inspirado Trump: o habitual desfile francês do Dia da Bastilha.
No final, Trump recebeu dos militares a bandeira norte-americana. Horas antes, e apesar da demarcação do movimento nacional, algumas centenas de manifestantes denunciaram o custo elevado do evento (estima-se que o desfile possa ter custado entre 25 e 45 milhões de dólares) e o seu simbolismo autoritário. Mas não se registaram incidentes na capital.
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